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OSVALDO CID – O MÉDICO INDIGENISTA QUE SE FOI

Osvaldo Cid (de preto) com a produtora Julia Tolentino e o indigenista Antônio Macedo, durante as gravações do filme "De Longe Toda Serra é Azul
Imagem: Osvaldo Cid (de preto) com a produtora Julia Tolentino e o indigenista Antônio Macedo, durante as gravações do filme “De Longe Toda Serra é Azul

Conheci Osvaldo Cid na Terra Indígena Pimentel Barbosa, em Mato Grosso no ano de 1978. Os Xavante estavam em “pé de guerra” contra os fazendeiros sulistas financiados pelos governos militares que haviam invadido suas terras e, também, contra a Funai, que nunca tomava providências para demarca-las. Era a sua primeira missão como médico da Funai. Os Xavante passavam por sérios problemas de saúde, ocasionados exatamente pela invasão das suas terras e do contato indiscriminado que isso ocasionava, em uma população que tinha apenas cerca de vinte anos de contato com a sociedade nacional. Cid, além de atender diuturnamente os enfermos, engajou-se imediatamente na luta dos Xavante pelas suas terras. Entendeu, quase de imediato, que sem terras suficientes para viverem tranquilos, conforme suas culturas, os indígenas jamais teriam boas condições de saúde. 

Missões de atendimento à saúde e demarcações de terra

E daí, nunca mais parou. Osvaldo se oferecia para as missões de atendimento à saúde dos indígenas em locais e situações mais difíceis e complicadas, geralmente ligadas à luta pela demarcação de terras, principalmente na Amazônia. É preciso registrar que muitos povos indígenas, assim como os Xavante, encontravam-se em situações graves de saúde, devido ao contato recente indiscriminado, resultado do esforço de penetração do interior implementado pelo governo brasileiro, pela “Marcha para o Oeste” nas décadas de quarenta e cinquenta. Epidemias e surtos de  gripes, tuberculose, diarreia, malária, leishmaniose, pênfigo foliáceo e outras doenças, assolavam esses povos. Cid atendia os pacientes aonde estivessem: nas aldeias, nas roças, nos acampamentos de caça ou nos movimentos de retomada de terras. Muito antes de qualquer discussão sobre o assunto, defendia e praticava o atendimento à saúde dos indígenas de forma compartilhada com os curadores tradicionais.

Em 1980, juntamente com outros indigenistas (entre os quais me incluo), pediu demissão da Funai, em protesto contra a política indigenista então adotada pelos governos militares. Retornou dois anos depois, por força de decisão judicial. Outras vezes, seria demitido e perseguido pelos seus envolvimentos nos movimentos indígenas pela demarcação de suas terras, até ser anistiado em 1993 e retornar definitivamente aos quadros da Funai.

Cid tornou-se um “médico-indigenista”, que angariou a amizade e o respeito dos colegas (que “disputavam” a presença de Osvaldo nos postos em que atuavam) e de líderes como Raoni, Mário Juruna, Aritana, Prepori  e tantos outros por onde passou.

O Legado da ‘Velha Guarda’: A Revolução Indigenista Pós-1970 e a Conquista de Direitos na Constituição de 1988

E, assim, lá se vai mais um indigenista da “velha guarda” da Funai, representado pelos indigenistas pós 1970 que, aliando-se com os líderes indígenas tradicionais combativos e outros seguimentos sociais, como o CIMI e as ONGs, realizaram uma verdadeira revolução na política indigenista brasileira. Foi essa “revolução” que abriu caminhos para que os povos indígenas tivessem reconhecidos seus direitos na Constituição de 1988 e tenham hoje seus representantes em posições de poder governamental. 

Engraçado é que tanto os indigenistas, quanto os representantes indígenas, vivem dizendo que os mais jovens devem respeitar e ouvir os anciões. “Cada ancião que morre é uma “biblioteca” que vai embora – repetem eles. Isso, entretanto, só deve servir para as comunidades indígenas.  Perguntem por aí se o Dr. Osvaldo Cid foi convidado, em alguma ocasião, para falar de suas experiências, opinar sobre a política indigenista ou sobre o atendimento à saúde dos povos indígenas, após ter se aposentado. Never!

Não tenho ilusões de que este lamento vá mudar alguma coisa neste sentido. Como se diz por aí, o problema é estrutural. Nesse sistemão capitalista, “velho” e “nada” significam a mesma coisa.

Vida que segue…

Fernando Schiavini

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